O caso extremamente raro de uma
brasileira que nasceu sem a língua e hoje consegue falar, sem sequelas,
se tornou um exemplo para a medicina mundial. A jovem Auristela Viana da
Silva é uma das únicas três pessoas de que se tem conhecimento com
aglossia congênita isolada – isto é, a ausência total da língua, sem que
haja outras deformidades. O longo procedimento necessário para tratar
suas sequelas foi explicado nesta segunda-feira pelo cirurgião-dentista
Frederico Salles e equipe na Universidade de Brasília (UnB). Auristela,
22 anos, teve todo o tratamento que a fez conseguir falar realizado no
Brasil. Sem a língua, órgão fundamental para o bom desenvolvimento dos
dentes e da mandíbula, a jovem tinha dificuldades para engolir e falar.
Responsável por acompanhar o caso desde que ela era criança, o doutor
Salles liderou um grupo multidisciplinar dedicado a fazê-la conseguir se
comunicar por meio da voz. Além de profissionais da odontologia, também
fonoaudiólogos, nutricionistas e psicólogos se uniram para intervir na
história de Auristela. Ela hoje leva uma vida normal, fala corretamente,
é capaz de sentir todos os sabores e cursa uma faculdade na área da
saúde: é aluna de Enfermagem. “Ela chegou até mim em 1996, quando não
tinha orientação médica e foi recomendada para tratamento em um hospital
público de Brasília onde eu trabalhava. Seu caso é diferente de outros
pacientes com aglossia, porque a deformidade, geralmente, vem
acompanhada de uma série de outros problemas, como inversão dos órgãos,
lábio leporino, amputação dos dedos e disfunções na tireoide”, disse
Frederico Salles em entrevista ao Terra. “A falta de língua faz
deformidades incríveis”, afirmou o médico. A jovem passou por duas
cirurgias na face em 2002, além de extrações dentárias e acompanhamento
médico intensivo. Ela utilizou aparelho dentário durante seis anos e foi
atendida por profissionais de diferentes áreas da saúde para que
pudesse aprender a falar. A anatomia de sua mandíbula teve de ser
alterada, e o maxilar foi ajustado para assegurar o desenvolvimento
correto dos ossos através do uso de um aparelho importado conhecido como
distrator ostiogênico.
Caso americano
Em toda a literatura médica, existe
registro de apenas dois outros pacientes com o mesmo caso da jovem
brasiliense, segundo Salles. Kelly Rogers, uma americana sem língua que
foi tratada na Califórnia e hoje também consegue falar é convidada dos
especialistas no simpósio que será realizado na UnB a partir das 16h. O
único outro caso de aglossia congênita isolada que consta na história da
medicina data de 1949, de acordo com o cirurgião-dentista.
As histórias de Auristela e da paciente
americana diferem em um aspecto: a brasileira passou por cirurgias no
rosto, destinadas a melhorar a estrutura do esqueleto facial; a
americana, não. Assim, segundo o principal responsável pelo tratamento
de Auristela, ela não carrega deformações na face, enquanto Kelly tem
algumas alterações no rosto. Frederico Salles explica que os médicos
responsáveis pelo procedimento na Califórnia acreditam que operar a face
compromete a capacidade de falar da paciente.
Apoio
Salles afirma que o custo do longo
tratamento por que passou Auristela foi arcado principalmente pelo Grupo
de Pesquisa Multidisciplinar em Aglossia da UnB e algumas clínicas de
Brasília. Entre os profissionais envolvidos no caso, foram mencionados
Paulo Galvão, especialista em radiologia; Gylse Anne de Souza Lima,
também radiologista; e Eloi Michels, otorrinolaringologista. Ele ainda
citou contribuições de empresas como o Laboratório Exame e a Farmogral,
além do Centro de Medicina Nuclear de Brasília.
Coordenado por Frederico Salles, o grupo
multidisciplinar que acompanhou o caso é formado por Jorge Faber, da
Faculdade de Odontologia da UnB; Elizabeth Queiroz, da Psicologia; Maria
Lúcia Torres, fonoaudióloga ligada ao Núcleo de Estudos em Educação e
Promoção da Saúde; e Marcos Anchieta, vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Biomédica. A professora de Nutrição da
Universidade Católica de Brasília (UCB) Patrícia Costa Bezerra também
integra a equipe.
Fonte: Terra.
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